segunda-feira, 21 de abril de 2008

Sucata

Eu sempre me vivi.
Mãe e irmãos sempre tiveram a mesma distância de idade em relação a mim.
Meu irmão grandão sempre foi grandão pra mim, até quando não era.
É difícil de acompanhar e visualizar o físico do passar dos anos.

Meu irmão grandão tocava na banda Sucata.

Aos dez anos comecei a freqüentar bares noturnos... para assistir aos shows da Sucata, junto com minha mãe. (Isso já me bastou de vivência de bar para o resto da vida, aliás.)

Acabo de ver um vídeo de um dos shows. Minha mãe tinha a idade aproximada que meu irmão grandão tem hoje. Ele, por conseqüência, tinha o físico semelhante ao que seu filho tem hoje.

Que experiência bizarra a invenção da gravação de imagens!
Que pulo repentino à outra realidade, que tu já conheceste mas está tão distante.
Que curtição!

Tiradentes

De 1998. Me mudei para o primeiro apartamento que teria a minha cara. Alugado. Na Independência.

De 2007. Me mudei para o apartamento onde eu recuperei todas minhas coisas espalhadas por todos esses anos. Próprio. Zona norte.

De 2008. Saí pra passear.

Desmanche

Condor, corvo, abutre, urubu.
E ali aquelas carcaças com seus membros escancarados sendo arrancados aos poucos, a céu aberto.
Aquilo era um cemitério de indigentes, perdidos, velhos e injustiçados.
Imobilizados.
Era um fim de linha onde, quase com certeza, o final não foi feliz.
Eu estava ali, assustada. Porém conivente com a chacina.
Ana Paula Cathartidae.

Tecido

Branco, sedoso, em formato de "U", preso a um trilho no teto.
Pulei bem alto para alcançá-lo.
Testei, desconfiada, a resistência de seus ininterruptos 30 metros.
Era seguro.
Até onde esticava?
Não além de uma distância razoável do chão.
Até onde alargava?
O suficiente para que eu me sentisse envolta por um confortável marsúpio.
Felicidade de criança!
Ao som do piano de Erik Satie, tocado pelo meu irmão.
Uma réstia de sol iluminava de leve o recinto.
Agora eu podia voar, me pendurar, virar de cabeça pra baixo.
Nada acabaria com aquela sensação.
João Bobo.
Era eu.
E me atirava para todos os lados, em todas as direções.
Elástico.
Eu tava presa.
Eu tava livre.
Bonito.
E podia sentir aquilo na pele.
E podia sentir aquilo nos músculos.
E sinto ainda aquilo na alma.

Sim. Eu tô sumida.
Eu tô ausente.
De verdade eu tô presente.
Presente pra mim.
Tô querendo aprender que o que é meu não precisa ser dos outros.
Tô querendo aprender a dizer não, pra poder dizer sim.
É difícil. Mas eu quero.
De que adianta saber e não aplicar o conhecimento?
Mas existe também muita novidade.
Procuro um equilíbrio.
Tranqüilidade.
Tô feliz.
Tô com uma pessoa que me abre os olhos e me faz sorrir.
Tô saudável.
Tô vivendo pra mim.
Tô vivendo pra nós.
Quero muito viver isso muito.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Outono


Como toda a estação em Porto Alegre, outono tem seus cheiros característicos.
Não sei o que acontece, que os odores se dividem e ficam nítidos a adentrar nossos narizes. O cabelo se impregna da expiração dos automóveis. A coloratura dos aromas se intumesce facilitando o seu reconhecer. Passo de olhos fechados na frente das lojas do passeio público e vou pensando - e quase sempre acertando - quais os artigos ali vendidos: roupa masculina, chocolate, perfume, artigos de couro, material escolar, xerox, lanches, livros, artigos de plástico, remédios...
Conclui que no outono enxergo melhor.

Tenho que aprender: 1+1 = 3

Quem sabe agora eu já não cresci.
Não foi hoje que me apaixonei.
Ontem o conheci e muito rondei,
conversei, observei, critiquei e o admirei.
Gostei.

Quem sabe agora o castelo, que um dia construi, tenha
se transformado numa modesta casa de pessoas amadas.
E nós já cansamos de descobrir que nunca seremos os ideais.

Quem sabe agora já vivemos muitas realidades e queremos uma pausa
de aventuras voláteis e, também, um pouco de tranqüilidade, segurança e aconchego.

Somos oito e oitenta, sustentados por alguns alicerces fortes que, com nossa vontade,
podemos vir a encontrar um equilíbrio saudável:

a mesma quantidade de quem, uma pequena substituição de como, uma adaptação no quando, na esperança de ter um bonito quanto.

Espero não estar levando minha modesta casa para um baile a fantasias, vestida de castelo.
Estou disposta a mantê-la casa. E me sentir nela.